Ramirez, A. Doping genético: Situação Atual e necessidades educativas, Revista Brasileira de Ciências da Saúde, ano VII, n 21, jul/set 2009.
1. NOVAS TENDÊNCIAS
Inicialmente oficializado como “a utilização não terapêutica de genes, elementos genéticos e/ou células com capacidade de melhorar o desempenho esportivo” pela Agência Mundial Anti Doping (WADA) em 2003, o termo doping genético tem sofrido atualizações a cada ano por meio da lista de substâncias e métodos proibidos desta Agência. Passou de “utilização não terapêutica de células, genes, elementos genéticos ou de modulação da expressão gênica com capacidade de melhorar o desempenho de atletas e praticantes de esportes” em 2006, à “transferência de células ou elementos genéticos, ou uso de células, elementos genéticos e agentes farmacológicos para modulação da expressão de genes endógenos com a capacidade de aumentar a performance atlética”, incluindo os agonistas do receptor delta ativado de proliferação peroxissômica (PPARδ) e da proteína quinase dependente do AMP ativada por este mesmo gene (AMPK) tais como os genes GW1516 e o AICAR respectivamente, como proibidos em 2009. A atualização mais recente da lista, publicada no início de outubro deste ano e que entrará em vigor em 2010, já disponível para consultas no portal da Agência (www.wada-ama.org), simplificou a definição por tópicos e manteve os mesmos genes como proibidos.
2. M3. DOPING GENÉTICO
O que se segue, com o potencial de aumentar a performance atlética, é proibido:
1- A transferência de células ou elementos genéticos (por ex. DNA, RNA);
2- O uso de agentes farmacológicos ou biológicos que alteram a expressão gênica
Agonistas do receptor delta ativado de proliferação peroxissômica - PPARδ (ex. GW1516) e da proteína quinase dependente do AMP ativada pelo receptor delta ativado de proliferação peroxissômica – AMPK (ex. AICAR) são proibidos (WADA, 2009a).
A possibilidade de haver doping genético nos atletas começou a preocupar a Comissão Médica do Comitê Olímpico Internacional (COI) em 2001 em virtude das perspectivas em genética humana e médica, mais especificamente em terapias gênicas. O COI submeteu a questão à apreciação da WADA que, por sua vez, adotou o termo e o caracterizou como método proibido. Informações mais detalhadas a respeito da história e dos motivos que levaram a Agência a considerar este método como doping podem ser encontradas em Ramirez & Ribeiro (2005), Ramirez (2007) e Miah (2008) em português, e em Solomon et al. (2009) e Wackerhage et al. (2009) em inglês.
Apesar da superestimação da capacidade das descobertas recentes da biologia molecular em estudos genômicos incorrer à filosofia “um único gene como míssil mágico” adotada por alguns protagonistas do esporte, criticada por Davids & Baker (2007), o desenvolvimento de pesquisas na interface entre estes estudos e as atividades físicas e esportivas está ocorrendo justamente devido às pesquisas de atuação e detecção de genes específicos com potencial de aumentar o desempenho esportivo, ou seja, doping e anti-doping genético.
O mapa de genes relacionados ao fitness e à performance esportiva, elaborado e atualizado anualmente pelos pesquisadores do grupo do geneticista Claude Bouchard desde 2001, tem colaborado para a identificação de genes candidatos ao doping genético. A atualização mais recente inclui 214 genes autossômicos, sete no cromossomo X e 18 genes mitocondriais (Bray, 2009). Informações mais específicas sobre os principais genes candidatos ao doping genético e seus mecanismos de atuação no corpo humano encontram-se nas revisões de Ramirez (2005), Dias et al. (2007) e Artioli et al. (2007) em português e, em Azzazy (2009), Wells (2009) e Gatzidou (2009) em inglês.
O incentivo da WADA financiando projetos de pesquisas visando o anti-doping genético também tem contribuição significativa para o desenvolvimento de pesquisas na área. Atualmente esta Agência contabiliza 34 projetos dos quais, 11 já foram finalizados, dois são para detecção não invasiva de doping genético, e quatro utilizam a dispendiosíssima tecnologia de microarranjos de DNA (WADA, 2009b). Além disso, o PubMed, principal banco de dados de artigos científicos na área da Saúde, classifica atualmente 114 artigos científicos indexados sob a palavra-chave “gene doping”. Apesar de 39 destes artigos serem de revisão observa-se produção científica e o estabelecimento de uma área de pesquisa.
Porém, enquanto geneticistas interessados nas questões relacionadas ao Esporte são recrutados a encontrar soluções em anti-doping genético, segue na outra ponta do sistema, uma dúvida sobre como o conhecimento por parte dos atletas a respeito do tema vem sendo absorvido e tratado na prática esportiva. Pesquisadores como Mottram et al. (2008) e Azzazy et al. (2009) também revelam esta preocupação. Ademais a própria WADA está com edital aberto para desenvolvimento de educação à distância de jovens atletas (WADA, 2009c).
Segundo Azzazy et al. (2009) as descobertas dos efeitos de mutações nos genes PEPCK e PPAR δ, responsáveis por aumentos expressivos na velocidade de corrida de ratos de laboratório, acrescidas aos riscos que a manipulação genética podem provocar à saúde, tornam mais imperativo que se estabeleçam métodos de detecção adequados e caminhos para educar verdadeiramente a comunidade atlética sobre o tema e as implicações da terapia gênica e do doping genético. Para Mottram et al. (2008) é evidente que os atletas de elite necessitam de programas de educação específicos para a tomada de decisões consciente a respeito dos fármacos estimulantes vendidos sem prescrição médica para finalidades de tratamento ou de aumento de desempenho esportivo. Segundo os autores também seria incumbência das federações nacionais e dos médicos assegurar que os atletas estejam completamente consciente de suas responsabilidades no esporte sem drogas.
Nesse sentido também se desenvolve a pesquisa exploratória de Toma (2009) a fim de avaliar o conhecimento e a opinião dos atletas brasileiros a respeito do doping genético. Os resultados preliminares revelaram que, dos 40 atletas de alto rendimento esportivo, 32,5% nunca ouviu falar a respeito de doping genético e, apesar de 55% ter respondido que faria uso da terapia gênica como tratamento para reduzir o tempo de recuperação de lesões esportivas, apenas 27,5% respondeu que utilizaria a terapia gênica para ficar mais rápido, mais ágil ou forte.
Levando em consideração também os resultados de Mottram et al. (2008) no qual 50,5% dos atletas revelou conhecer a penalidade decorrente do uso de medicamentos estimulantes, apesar de apenas 35,1% ter identificado corretamente as substâncias da lista proibida, fica evidente que em termos morais os atletas se posicionam contra qualquer tipo de doping sem no entanto, compreender adequadamente todos os aspectos da dopagem, inclusive os científicos, para a tomada consciente de suas decisões.
Torna-se, portanto, extremamente necessária a elaboração de programas educativos e de divulgação científica sobre dopagem em geral e, mais especificamente, sobre terapia gênica e doping genético, bem como suas consequências para a saúde humana, entre os atletas e demais agentes envolvidos com o Esporte.
Referências
Artioli G.G., Hirata R.D.C, Lancha Junior A.H. Terapia gênica, doping genético e esporte: fundamentação e implicações para o futuro. Rev Bras Med Esporte. 13(5):349-354, 2007.
Azzazy H.M.E., Mansour M.M.H., Christenson R.H. Gene doping: Of mice and men. Clinical Biochemistry. 42: 435–441, 2009.
Bray M.S., Hagberg J.M., Pérusse L, Rankinen T, Roth S.M., Wolfarth B., Bouchard C. The human gene map for performance and health-related fitness phenotypes: the 2006-2007 update. Med Sci Sports Exerc. 41(1):35-73, 2009.
Dias R.G., Pereira A.C., Negrão C.E., Krieger J.E. Polimorfismos genéticos determinantes da performance física em atletas de elite. Rev Bras Med Esporte 13(3):209-216, 2007.
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Gatzidou E, Gatzidou G, Theocharis S.E. Genetically transformed world records: a reality or in the sphere of fantasy? Med Sci Monit. 15(2):41-47, 2009.
Miah, A. Atletas Geneticamente Modificados. São Paulo: Phorte editora, 2008. 280p.
Mottram, D., Chester, N., Atkinson, G., Goode, D. Athletes’ Knowledge and Views on OTC Medication. Int J Sports Med 2008; 29: 851–855.
Narkar V.A., Downes M., Yu R.T., Embler E, Wang Y-X, Banayo E, Mihaylova M.M., Nelson M.C., Zou Y., Juguilon H., Kang H., Shaw R.J., Evans, R.M. AMPK and PPARδ Agonists Are Exercise Mimetics. Cell 134: 1–11, 2008.
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Ramirez A., Ribeiro A. Doping genético e esporte. Revista Metropolitana de Ciências do Movimento Humano, São Paulo, 5(2):9-20, 2005.
Ramirez A. Doping Genético e terapia gênica – Aspectos biomoleculares. Atualidades em Fisiologia e Bioquímica do Exercício 1(1): 32-37, 2005.
Solomon L.M., Mordkoff D.S., Noll R.C. Physical enhancement of human performance: is law keeping pace with science? Gend Med. 6(1):249-58, 2009.
Toma K. Opinião e conhecimento preliminares do termo dopping genético entre atletas de rendimento em suas diversas modalidades esportivas. 9º Congresso Nacional de Iniciação Científica, São Paulo, 2009. Resumo 6878 (no prelo).
Wackerhage H., Miah A., Harris R. C., Montgomery H. E., Williams A.G. Genetic research and testing in sport and exercise science: A review of the issues. J. Sports Sci.31:1-8, 2009.
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http://www.wada-ama.org/rtecontent/document/PTGen_YOG_Learning_Tool_RFP.pdf
Wells D.J. Gene doping: Possibilities and Practicalities. Med Sport Sci. 54:166-175, 2009.
Endereço para correspondência:
Rua Galvão Bueno 707, Liberdade, São Paulo, SP, 01506-000.
Endereço eletrônico: aramirez@fmu.br
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